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terça-feira, 18 de outubro de 2011

Troikas


Tenho ouvido e lido dos mais diversos quadrantes políticos, que o Governo tem sido um bom e esmerado aluno dos professores da “troika”, cumprindo integralmente aquilo que foi assinado com a Comissão Europeia, BCE e FMI, indo até por vezes mais além, o que já nos terá valido um “Satisfaz Bastante” e o correspondente afastamento do caso grego.
Há aqui, desde logo, uma enorme incongruência neste raciocínio. A Grécia foi “resgatada” pela “troika” antes de Portugal. Para receber os milhões de ajuda externa, comprometeu-se a cumprir um “memorando” e aplicou austeridade em cima de austeridade. O resultado foi o inevitável colapso da economia grega e a impossibilidade de pagar o empréstimo. Ora, o Governo e os analistas de serviço defendem que o cumprir cegamente o acordo celebrado com a “troika” nos afasta do caso grego quando, foi exactamente o cumprimento cego desse mesmo acordo que levou a Grécia ao estado em que se encontra.
Na verdade, o Governo faz do memorando uma coisa que ele não é: um Livro Sagrado, cujas Leis devem ser seguidas sob pena de condenação eterna; mais ou menos a visão que um “taliban” tem do Corão. Faz uma interpretação literal, sem qualquer ponderação ou raciocínio e, mais grave, sem qualquer preocupação do enquadramento com a realidade. E é aqui que reside o maior pecado deste Governo, não apenas quanto a este ponto específico, mas quanto a todo o documento.
Na realidade, o documento assinado em Março entre PS, PSD, CDS e a “troika” é um “memorando de entendimento”, onde são estabelecidas linhas orientadoras tendentes ao tão ansiado equilíbrio orçamental. As linhas constantes do documento são genéricas, apontam objectivos mas – e isto é muito importante – deixam ao Governo a decisão do caminho a fazer para os atingir. A maior prova de que o Governo tem essa liberdade tivemo-la recentemente quanto à questão da Taxa Social Única: o Governo simplesmente disse que não iria efectuar a redução “significativa” defendida pelo FMI. Que me tenha apercebido, desde então o Céu não caiu, nem se abriram rios de fogo e lava.
Admitir que os pressupostos que estiveram na base do acordo mudaram e que, naqueles termos, só teremos um desfecho que é recessão e incumprimento é ser verdadeiramente responsável. Só assim, damos o sinal aos nossos credores que queremos de facto cumprir os nossos compromissos e pagar a nossa dívida. Se ao invés, continuarmos a insistir que vamos cumprir este “memorando”, mesmo quando é já claro que tal será de todo impossível, perderemos de vez qualquer credibilidade que ainda nos reste, desde logo por termos – mais uma vez – falhado.