Tenho ouvido e lido dos mais
diversos quadrantes políticos, que o Governo tem sido um bom e esmerado aluno
dos professores da “troika”, cumprindo integralmente aquilo que foi assinado
com a Comissão Europeia, BCE e FMI, indo até por vezes mais além, o que já nos
terá valido um “Satisfaz Bastante” e o correspondente afastamento do caso
grego.
Há aqui, desde logo, uma enorme
incongruência neste raciocínio. A Grécia foi “resgatada” pela “troika” antes de
Portugal. Para receber os milhões de ajuda externa, comprometeu-se a cumprir um
“memorando” e aplicou austeridade em cima de austeridade. O resultado foi o
inevitável colapso da economia grega e a impossibilidade de pagar o empréstimo.
Ora, o Governo e os analistas de serviço defendem que o cumprir cegamente o
acordo celebrado com a “troika” nos afasta do caso grego quando, foi
exactamente o cumprimento cego desse mesmo acordo que levou a Grécia ao estado
em que se encontra.
Na verdade, o Governo faz do
memorando uma coisa que ele não é: um Livro Sagrado, cujas Leis devem ser
seguidas sob pena de condenação eterna; mais ou menos a visão que um “taliban”
tem do Corão. Faz uma interpretação literal, sem qualquer ponderação ou
raciocínio e, mais grave, sem qualquer preocupação do enquadramento com a
realidade. E é aqui que reside o maior pecado deste Governo, não apenas quanto
a este ponto específico, mas quanto a todo o documento.
Na realidade, o documento
assinado em Março entre PS, PSD, CDS e a “troika” é um “memorando de
entendimento”, onde são estabelecidas linhas orientadoras tendentes ao tão
ansiado equilíbrio orçamental. As linhas constantes do documento são genéricas,
apontam objectivos mas – e isto é muito importante – deixam ao Governo a
decisão do caminho a fazer para os atingir. A maior prova de que o Governo tem
essa liberdade tivemo-la recentemente quanto à questão da Taxa Social Única: o
Governo simplesmente disse que não iria efectuar a redução “significativa”
defendida pelo FMI. Que me tenha apercebido, desde então o Céu não caiu, nem se
abriram rios de fogo e lava.
Admitir que os pressupostos que
estiveram na base do acordo mudaram e que, naqueles termos, só teremos um
desfecho que é recessão e incumprimento é ser verdadeiramente responsável. Só
assim, damos o sinal aos nossos credores que queremos de facto cumprir os
nossos compromissos e pagar a nossa dívida. Se ao invés, continuarmos a
insistir que vamos cumprir este “memorando”, mesmo quando é já claro que tal
será de todo impossível, perderemos de vez qualquer credibilidade que ainda nos
reste, desde logo por termos – mais uma vez – falhado.