“Reorganizar a administração local. Existem actualmente 308 Municípios e 4259 Freguesias. Até Julho de 2012, o Governo desenvolverá um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significativamente tais entidades. O Governo implementará este plano baseado no acordo com as delegações da Comissão Europeia e do FMI. Estas alterações, que entrarão em vigor no início do próximo ciclo eleitoral local, melhorarão a qualidade dos serviços, aumentarão a eficiência e reduzirão custos.”
É este o texto que consta do “memorando da troika”. É o famigerado ponto 3.43., sob o pretexto do qual o ministro dos Assuntos Parlamentares (ou Primeiro-Ministro em exercício, como se prefira) Miguel Relvas diz que assentará uma “revolução tranquila”.
À primeira leitura o que a “troika” exige parece simples: existem demasiados Municípios e Freguesias em Portugal, reduzam-se.
O objectivo que consta deste ponto é muito claro: “reorganizar a administração local de modo a melhorar os serviços, aumentar a sua eficiência e reduzir os seus custos”. Ora, alguém no seu perfeito juízo e de boa-fé acredita que tal objectivo se atinge única e exclusivamente cortando freguesias a eito, e mais, sem fazer o mesmo com os Municípios? É que é compreensível que um nórdico do BCE ou um norte-americano do FMI ache estranho que p.ex. Porto, Gaia e Matosinhos não sejam um único Município, quando o que os separa é, literalmente, uma placa; já acho que seja difícil de explicar aos mesmos senhores que se extinga uma freguesia e que deste modo se prive uma comunidade de cidadãos de serviços públicos básicos, só porque têm a infelicidade de viver numa zona deprimida com poucos habitantes.
O que me parece que continua a escapar a este Governo é pura e simplesmente a realidade do País que tem a seu cargo. É óbvio que um habitante da Campanhã, freguesia do Porto com cerca de 40.000 habitantes, ao precisar de uma prova de vida ou de um atestado de residência, não verá o seu quotidiano alterado por ter de se deslocar à Câmara Municipal. Perde cerca de 10 minutos do seu dia. Mas o cidadão da Mata da Rainha quando precisar do mesmo serviço, necessitará de se levantar às 6 da manhã para apanhar o autocarro e deslocar-se a Vale de Prazeres ou ao Fundão, esperar o resto do dia pelo autocarro das 5 da tarde para, finalmente, chegar a casa 12 ou 13 horas depois. Perde um dia para obter o serviço que hoje lhe custa 2 passos e 5 minutos. O exemplo é exagerado e fictício mas é esta a realidade da esmagadora maioria das freguesias rurais do nosso País.
Eleger as Freguesias como as culpadas do actual desgoverno e calamidade financeira do Poder Local é, no mínimo, não-sério. É ignorar que hoje, em muitos casos, a Junta de Freguesia é o último bastião do serviço público para muitos cidadãos. Cidadãos que devem ter a liberdade de continuar a viver nas suas terras, com o mínimo de qualidade de vida e conforto, no que toca a serviços públicos básicos. É ignorar os verdadeiros milagres que muitas Juntas fazem com os miseráveis orçamentos que têm. É ignorar que os elefantes brancos que pintam muitas das Freguesias representaram gastos e má gestão não das suas Juntas, mas dos Municípios onde se inserem.
Importa reter alguns números: o Estado transferiu por via do Orçamento de Estado em 2011 para as 4259 freguesias, € 193.639.454,00 (menos € 18.203.748,00 que em 2010); para os 308 Municípios transferiu em 2011 € 2.397.864.673,00 (mais € 163.945.768,00 que em 2010). Os Municípios receberam a mais em 2011 quase o equivalente ao valor total das transferências para as Freguesias…
Penso que de facto é necessária uma revolução (que não será, com toda a certeza, “tranquila”) na organização da administração local e que tal inevitavelmente terá de passar também pelas Freguesias. Mas também penso que tal reorganização não passa pela mera extinção de freguesias assente em critérios quase matemáticos e automáticos e que antes de se mexer no poder local de maior proximidade tem de se começar por mexer nos Municípios. A Associação de Municípios não se cansa de apregoar que se o Estado Central transferir mais competências para as Câmaras Municipais, com a correspondente verba obviamente, os Municípios prestam melhor tais serviços, de modo mais eficaz e com menos custos. Tal argumento aplica-se integralmente às Freguesias que, por estarem mais próximas dos seus cidadãos, serão capazes de atingir estes objectivos (afinal que a “troika” nos impõe) ainda de modo mais eficaz.
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