“As ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante.”
Karl Marx escreveu-o há mais de 100 anos. A História não o desactualizou. Ao contrário, a actual situação mundial confirma e reforça o seu pensamento.
Nunca a teoria da luta de classes esteve tão actual como nos tempos que vivemos. Concedo que hoje, pelo menos no nosso País cujo sector produtivo é quase residual, que a classe “dominada” não seja já a classe operária. A classe “dominada” dos nossos dias é aquela faixa da população que é a maioria dos cidadãos portugueses cujos rendimentos se encontram entre os € 800,00 e os € 1.500,00, que se esforçam todos os meses para pagar a sua casa, a educação dos seus filhos, enfim, as suas contas.
Aquele fenómeno de extinção da classe média que nos habituámos a ver em países terceiro mundistas da América do Sul ou de África está a chegar – e em grande velocidade – ao “velho continente” dos direitos sociais e da qualidade de vida.
Quando da tomada de posse do novo Governo tivemos um primeiro sinal: a esmagadora maioria dos Ministros são, efectivamente, ricos, muito ricos. Não tenho nada contra quem é abastado. Move-me antes o sonho de um dia sermos todos assim, mais do que a inveja de quem já o é. No entanto, o facto de quem nos governa ser “super-rico” tem um problema: o desconhecimento ou sensibilidade para a realidade da maioria dos governados. É óbvio que será muito difícil explicar ao Ministro da Saúde – que em 2010 declarou só em sede de IRS mais de € 800.000,00, que pagar “apenas € 50,00” de taxa moderadora num Hospital, significa para muitas famílias uma grande parcela do seu rendimento mensal. Até acredito que o Ministro em causa não o faça por maldade, fá-lo por desconhecimento. A realidade dele é outra. “Como alguém poderá queixar-se de uma taxa moderadora que é menos que o que gasto todos os dias ao pequeno-almoço?”, pensará.
A classe governante – e aqui incluo os actuais e os que nos governaram nos últimos 30 anos – há muito que se afastou da realidade do País que comanda. Vive numa realidade paralela de elevados rendimentos e luxo. Serve não um País mas um núcleo de interesses privados ligados à alta finança e ao sector privado, como quem retribui agora o bom trato que deles recebeu ao longo da vida. Não compreende a noção de serviço público básico, pois nunca teve de a ele recorrer: tem os filhos em colégios privados e a saúde fornecida por seguradoras. Não sabe o que é apanhar um autocarro. Não sabe quanto custa um pão ou um quilo de arroz.
E são estas pessoas que, com a maior desfaçatez, nos dizem que falhámos. Que nos dizem que andámos a gastar acima das nossas possibilidades. Que somos privilegiados com direitos a mais. Nós, os portugueses contribuintes e anónimos, que sempre cumprimos com aquilo que nos pediram, agora é que teremos de sofrer sacrifícios, de pagar as facturas. Já eles, que se governaram, que jogaram os nossos milhões na Bolsa e que destruíram tudo o que ainda produzíamos, eles que realmente falharam, cumpre-lhes puxar-nos as orelhas e aplicar-nos austeridade como quem dá um castigo a um filho mal comportado.
É verdade que o País chegou à bancarrota. É inegável que são necessárias medidas severas para voltar a equilibrar a economia – medidas que têm de passar por duros cortes. Mas o que não se compreende – ou melhor, compreende-se mas não é justo – é que os responsáveis por toda esta situação não sejam minimamente beliscados por elas. O que se compreende mas não é justo, é que ataquem precisamente quem ainda tinha umas moedas para consumir e assim animar a economia. O que se compreende mas não é justo, é que os verdadeiros responsáveis pela actual situação do nosso País, aqueles que realmente falharam, sejam os mesmos que hoje nos impõe a mesma fórmula, a mesma receita que precisamente nos trouxe até onde estamos.
O Brasil – País desde sempre de grandes desigualdades sociais – viu a sua economia e a sua riqueza crescer nos últimos anos. Ali, o Estado aplicou uma receita em tudo oposta à que Portugal teimosamente insiste em seguir. O Estado Brasileiro resolver gastar mais com quem menos tinha. Resolver dar as tais moedas a quem não as tinha. O resultado foi o consumo, que alavancou a produção que, inevitavelmente, aumentou o emprego e gerou mais riqueza. Hoje, preocupam-se com a possibilidade da economia em 2012 crescer “apenas” entre 3% e 3,5%...As projecções mais optimistas para Portugal indicam uma recessão de 2,8%. Preconceito ideológico ou realidade factual?